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Encontro com Desikachar, filho de Krishnamacharya

Texto de 18/06/2005

A entrevista ocorreu no último dia da passagem da família de Desikachar no Brasil. Eles visitavam nosso país, como parte de uma tour mundial onde eram apresentados os fundamentos do Yoga de Krishnamacharya.

E quem foi Krishnamacharya?

Segundo Georg Feuerstein, o mundialmente renomado autor e pesquisador sobre yoga, T. S. Krishnamacharya foi o maior expoente do Hatha-Yoga nos tempos modernos. Para outros, ele é conhecido por ser o mestre dos mestres, tendo orientado a prática de renomados outros mestres como Iyengar, Pattabhi Jois, Indra Devi e Krishnamurti.

Só por esta lista, já se pode imaginar que a Yoga não seria, o que é hoje, se não fosse Krishnamacharya.

No Brasil, a família coordenou este seminário de 23 a 26 de abril, estavam todos presentes. Desikachar, o filho de Krishnamacharya e sua esposa, filho, filha, nora e neta.

Era muito bonito presenciar aquela integração familiar em torno do Yoga.
Graças ao Jorge e Maria Nazaré, organizadores do evento, e responsáveis pelo Anjali Yoga de Porto Alegre, a equipe do Ciência Meditativa teve a oportunidade de gravar em vídeo, e fita de som, esta esclarecedora e rica entrevista.O diálogo ocorreu entre Vitor Caruso Jr., fundador do Ciência Meditativa, e Desikachar, que hoje trabalha na manutenção das raízes e ensinamentos de seu pai, dessa forma, preservando o que há de mais autêntico e verdadeiro na filosofia do Yoga.

V- Muito prazer?

D- Muito prazer. Você irá visitar o Dalai Lama, hein?

V- Sim, este ano em Dharamshala.

D- Eu estive me Dharamshala três vezes, encontrei o Dalai Lama. Ele é uma pessoa muito boa.

V- Primeiro, gostaria de agradecer por esta entrevista exclusiva….

D- Está bem, vá em frente, pergunte…- Desikachar interrompe gentilmente, para ir direto ao assunto.

V- Ok, a primeira pergunta é sobre fé. No livro da biografia de Krishnamacharya que o Sr. escreveu, disse que seu pai tinha muita fé me Narayana, e costumava rezar todos os dias, Gandhi tinha o mesmo tipo de dedicação, costumava rezar diariamente para Rama. O Sr. acha que a Fé é algo fundamental a seguir dentro do yoga?

D- Quando eu vi meu pai tornar saudável pessoas sem nenhum estudo formal da medicina, não só pessoas de nossa região, mas pessoas de todos os lugares do planeta, pessoas vinham para ver meu pai, porque tinham seus problemas, e com seus conhecimentos de yoga, ele tornava essas pessoas saudáveis.
Eu vi isto, esta é a minha fé!
Meu pai pôde tornar tantas pessoas saldáveis sem o uso de medicamentos, isto é muito especial no yoga. Foi assim que me transferi da engenharia para o yoga. Sinto muito lhe desapontar, eu não posso ver Deus, eu não vi Deus, eu vi o que meu fazia com o yoga, e é nisto que tenho fé.
Meu pai tinha total fé em Deus, mas eu sou diferente.
Meu pai utilizava a yoga como uma técnica para tornar as pessoas mais saudáveis, e agora, vejo o yoga ajudando e transformando tantas pessoas.
Esta é minha fé no yoga, e eu a tenho por causa de meu pai.
Jorge (Jorge Luis do Anjali Yoga), por exemplo, foi a Índia tantas vezes, e viu como utilizamos o yoga para ajudar as pessoas. Tenho fé no yoga, pois eu vi do que ele é capaz, e por isto tenho fé em Krishnamcharya, e por exemplo, quando fiz minha viagem ao Tibet, tive certeza que esta fé tomava conta de mim. E assim, milagres acontecem.

(Desickachar usa o termo heal, que foi traduzido como tornar-se saudável, e que poderia ser traduzido como curar, mas ele faz questão de utilizá-lo em um sentido mais amplo, do que o termo cure, que também pode ser traduzido como curar. Ele distingue o termo heal, como sendo de origem interna do indivíduo, quando quebramos a perna, e engessamos, e a capacidade do organismo de tornar-se saudável que faz com que a perna fique boa. O termo cure estaria mais relacionado a remédios, por exemplo.)

V- A segunda questão é sobre karma yoga, e o sentimento de compaixão ao praticar karma yoga. Você acredita que a prática de ajudar o outro, de desenvolver um coração compassivo, é uma forma de mensurar a evolução do praticante a caminho do Samadhi?

D- Karma yoga não é só uma prática, é também um serviço.
Meu filho, Kausthub se tornou um karma-yogue, ele contribui para muitas pessoas financeiramente, em todo o mundo, para que muitos tenham o benefício do yoga. Isto é Karma yoga, ajudar, servir a sociedade, sem se glorificar, por exemplo, dizendo, eu estou fazendo isto, eu estou fazendo aquilo. Este é o verdadeiro Karma yoga, ele nunca fala sobre isto, eu é que conto.

V- A terceira questão é sobre religião, parece haver uma relação próxima entre yoga e hinduísmo. Alguns professores no Brasil gostam de usar os símbolos da Índia, seus deuses, suas deidades. Mas algumas vezes, quando eles colocam estas figuras em suas escolas, eles têm problemas com pessoas de outras religiões, porque, por exemplo, alguns tipos de cristãos não gostam destes tipos de figura. Você acha que este tipo de comportamento não é benéfico para o yoga?

D- Yoga e religião hindu são coisas diferentes.
Na verdade, na escola do Vedanta Sutra, uma linha filosófica do hinduísmo, eles rejeitam o yoga, porque o yoga não insiste em Deus. Se você tem fé em Deus, OK. Se você não tem fé em Deus, OK também.
O yoga Sutra não fala em Deus como um criador, Ishva significa qualquer ser inteligente, uma pessoa mais sábia. O Yoga Sutra não diz, Deus criou o mundo, é por isto que a filosofia hindu rejeita a filosofia do yoga.
Infelizmente em Índia, alguns praticam a religião hindu, e associam isto com o yoga, pois é a sua crença pessoal.
Meu pai, quando falava com cristãos, ele nunca rezava para Narayana, quando meu pai falava com muçulmanos, ele costumava dizer Salamaleco Sala, ele tinha sua fé pessoal, mas a limitava para o seu quarto. Ele nunca propagava sua fé em Deus pessoal para o yoga. Ele ensinou hindus, cristãos, muçulmanos, centenas de pessoas.Ele ensinou o yoga de acordo com Patañjali.
Muitas outras pessoas, infelizmente, misturam hinduísmo com yoga, isto é uma mistura, muitas vezes feitas por ignorantes, ou fanáticos, mesmo algumas pessoas que conheço, que recitam poema a Shiva. Isto não tem nada haver com yoga.
A yoga de Patañjali é “clean”, não possui conexão com religiões. Isto é uma coisa muito triste sobre os professores hindus, pois eles confundem sua crença pessoal com yoga. Em relação a isto somos muito claros, quando você for a nossa instituição você verá, nós não temos nenhuma foto, ou símbolo. Apenas Patañjali. Nós não temos nem o OM. Porque a Ïndia é um grande país, e nós respeitamos todas as crenças. Mas os hindus têm o hábito de adicionar isto à prática, e impor isto aos outros. Este é um erro triste dos mestres hindus, e eu lamento muito.

V- A última questão, tem relação com os budistas, que praticam diretamente a meditação, sem uma prática de corpo preparatória. O que o Sr. pode dizer a respeito.

D- Nós temos um amigo, mestre Zen, na América. Uma pessoa muito boa, em Connecticut.

Hoje ele introduz o yoga como um dos fundamentos para a prática da meditação Zen.
Isto é feito porque, muitos anos atrás, 500 anos atrás, todos sentavam no chão, mas agora, sentamos apenas em cadeiras, até para ir ao banheiro. Por isto, se tentamos fazer as pessoas sentarem diretamente com as pernas cruzadas (em lótus, por exemplo), elas podem se machucarem. É por isto que ele diz, abram seu olhos, as posturas do yoga e as respirações, preparam para a meditação. É por isto que ele usa o yoga como preparação para a meditação budista.

V- Muito Obrigado.

D- Obrigado você, e se ver o Dalai Lama, dê meus cumprimentos a ele, ofereça um Katá em meu nome.

Ao levantar, ele tirou sua carteira do bolso, sacou todo o dinheiro que havia nela, e entregou a Vitor, dizendo: _Tome, isto é para sua viagem à Índia. Quando Vitor tento manifestar, dizendo que não precisava, deixou seu último ensinamento:_Isto é que é Karma Yoga, faça bom uso do dinheiro, e mande minhas lembranças ao Dalai Lama.

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1 comentário em “Encontro com Desikachar, filho de Krishnamacharya”

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