Foi surpreendente para mim a repercussão que surgiu quando anunciei que havia terminado a leitura de On The Road, romance escrito por Jack Kerouac, escritor americano falecido em 1969, aos 47 anos por cirrose hepática.
Alguns amigos amam o romance, outros odeiam e outros não o acham grande coisa.
Por esta divergência de opiniões que resolvi escrever este comentário e perspectiva sobre o livro.
Quero destacar que não li a edição publicada oficialmente em 1957, apesar do manuscrito ter sido terminado em 1951. A edição publicada teve alguns alguns cortes e reduções, além da troca dos nomes dos personagens por nomes fictícios para evitar-se possíveis processos judiciais.
A edição que li foi publicada apenas em 2007, e toma como base o manuscrito original, sem cortes e com o nomes originais mantidos.
É preciso entender o contexto histórico do romance. Ele descreve aventuras de jovens em geral na casa dos 20 anos, que acabaram de viver o fim da Segunda Guerra Mundial. Alguns dos personagens chegaram a participar do esforço militar, caso do próprio autor, Kerouac.
Um momento novo era vivido, sem a guerra, novos objetivos para a nação, e para as pessoas estavam para serem estabelecidos.
Outro fator histórico importante para compreender o romance é musical. Os negros nos Estados Unidos só iniciaram sua luta e conquista de direitos civis a partir de Rosa Parker e Martin Luther King depois de 1955, posterior à criação do romance. Os negros então viviam sua própria cultura e música à parte da cultura branca e elitista norte-americana. O jazz como manifestação musical, e o bepop, dentro disto é apropriado dentro desta cultura negra, e completamente transformado por músicos e instrumentistas geniais, que vocês já deve ter escutado como Louis Armstrong ou mais recente, Miles Davis. O mais genial e impressionante deles, era conhecido na época do romance e se chamava Charlie Parker. Dominava o saxofone como nunca se viu. E tocava fazendo uso da improvisação como forma de demonstar seu virtuosismo e domínio, não só do instrumento, mas do ritmo e da sonoridade da música. Velocidade e a fusão de frases musicais é uma das características marcantes.
Agora sim podemos falar do estilo da escrita de Kerouac, que ele denominava de sketching.
É como a manifestação literária de Charlie Parker, velocidade e fusão das frases, em um ritmo até antes então não vivenciado de forma literária. As frases se emendam, as vírgulas são economizadas, tudo passa na mesma velocidade com que as viagens cruzam as estradas na história. Ele usou um grande rolo de papel, para não precisar trocar as folhas na máquina de escrever, e poder escrever sem parar, de forma que a história e as ideias fluíssem ininterruptamente.
Do ponto de vista ético e moral, não penso que o romance tenha algo a ser buscado, pelo contrário, mostra uma lição de como os jovens podem se perder em vícios e festas. Tanto a morte prematura de Kerouac, por cirrose, e de Cassidy (personagem principal), por overdose, atestam os resultados do estilo de vida apresentado pelos personagens. Porém a boemia de Mozart, ou a bebedeira de Jobim, não diminuem a genialidade de suas obras.
Momentos preciosos de reflexão podem ser extraídos. A busca emocional pelo re-encontro psicológico com o pai, a harmonização com a herança psíquica paterna permeia a estrutura emocional dos personagens principais.
Momentos tais como a reflexão da mãe de Kerouac, traz um direcionamento, um sopro de esperança e paz àqueles jovens tão perdidamente alucinados:
“Certa vez minha mãe disse que o mundo jamais encontraria a paz até que os homens se jogassem aos pés de suas mulheres e lhes pedissem perdão. Isso é verdade. No mundo inteiro, nas selvas do México, nas ruelas de Shangai, nas boates de Nova York, maridos enchem a cara enquanto suas mulheres ficam em casa com os bebês de um futuro cada vez mais negro. Se esses homens parassem a máquina e voltassem para casa — e ficassem de joelhos — e pedissem perdão — e as mulheres o perdoassem — a paz desceria subitamente à terra com um grande silêncio como o silêncio inerente do Apocalipse.”
Por Irmão Vitor, em Dezembro de 2014.
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