Depois que repassei o artigo de Leonardo Boff (abaixo), sobre o profeta Gentileza, recebi várias mensagens de alegria e apoio sobre o texto dele. Fui ao Rio de Janeiro, e conheci uma parte da obra deste profeta, que morreu em 1996. Emocionante. Dizem que coincidência não existe, mas uma semana depois, o jornal A Gazeta do Povo entra em contato, pedindo que lhe dessem orientações sobre o que falar sobre gentileza. Se havia algum exemplo da história do Buda, ou outra coisa. A repórter ficou surpresa ao saber que o Brasil tinha o seu Profeta Gentileza. Ainda mais quando soube que a linda música de Marisa Monte falava de quando pintaram de cinza as mensagens do profeta Gentileza. Abaixo, deixo o o texto de Boff, um mensagem de Gentileza e mais, a música de Marisa Monte, a respeito do nosso profeta tupiniquim.
O profeta gentileza (Leonardo Boff*)
Brasil – Seguramente muitos do Rio se lembram daquela figura singular de cabelos longos, barbas brancas, vestindo uma bata alvíssima com apliques cheios de mensagens, com um estandarte na mão com muitos dizeres em vermelho, que a partir dos inícios de 1970 até a sua morte em 1996 percorria toda a cidade, viajava nas barcas Rio-Niterói, entrava nos trens e ônibus para fazer a sua pregação. A partir de 1980 encheu as 55 pilastras do viaduto do Caju, perto da rodoviária, com inscrições em verde-amarelo propondo sua crítica do mundo e sua alternativa ao mal-estar de nossa civilização. Não era louco como parecia, mas um profeta da têmpera dos profetas bíblicos como Amós ou Oséias. Como todo profeta, sentiu também ele um chamamento divino que veio através de um acontecimento de grande densidade trágica:o incêndio do circo norte-americano em Niterói no dia 17 de dezembro de 1961 no qual foram calcinadas cerca de 400 pessoas. Era um empresário de transporte de cargas em Guadalupe e sentiu-se chamado para ser o consolador das famílias destas vítimas. Deixou tudo para trás e tomou um de seus caminhões e colocou sobre ele duas pipas de cem litros de vinho e lá junto às barcas em Niterói distribuía-o em pequenos copos de plástico dizendo: “quem quiser tomar vinho não precisa pagar nada, é só pedir por gentileza, é só dizer agradecido”. De José da Trino, esse era seu nome, começou a se chamar José Agradecido ou Profeta Gentileza. Interpretou a queima do circo como um metáfora da queima do mundo assim como está organizado como um circo pelo “capeta-capitalŠque vende tudo, destrói tudo, destruindo a própria humanidade”. Segundo ele, devemos construir outro mundo a partir da Gentileza, o que ele fez em miniatura, transformando o local num belíssimo jardim, chamado “Paraíso Gentileza”. O quarto aplique de sua bata dizia: “Gentileza é o remédio de todos os males, amor e liberdade”. E fundamentava assim: “Deus-Pai é Gentileza que gera o Filho por Gentileza. Por isso, Gentileza gera Gentileza”. Ensinava com insistência: em lugar de “muito obrigado” devemos dizer “agradecido” e ao invés de “por favor” devemos usar “por gentileza” porque ninguém é obrigado a nada e devemos ser gentis uns para com os outros e relacionarmo-nos por amor e não por favor. Não é exatamente isso que o Rio de Janeiro está precisando? Já dissemos nesta coluna que, junto com o princípio de Geometria, a Gentileza funda um princípio civilizatório, princípio descurado pela modernidade e hoje de extrema importância se quisermos humanizar as relações demasiadamente funcionais e marcadas pela violência. A crítica da modernidade não é monopólio dos mestres do pensamento acadêmico como Freud com seu O mal estar da civilização ou a Escola de Frankfurt com Horkheimer com seu O eclipse da razão e com Habermas com o seu Conhecimento e interesse ou mesmo toda a produção filosófica do Heidegger tardio.O Profeta Gentileza, representante do pensamento popular e cordial, chegou à mesma conclusão que aqueles mestres. Mas foi mais certeiro que eles ao propor a alternativa: a Gentileza como irradiação do cuidado e da ternura essencial. Esse paradigma tem mais chance de nos humanizar do que aquele que ardeu no circo de Niterói: o espírito de geometria, o saber como poder e o poder como dominação sobre os outros e a natureza.